O governo autoproclamado socialista da Venezuela enfrenta no domingo (28/07) seu maior desafio eleitoral em décadas. Pesquisas de intenção de voto indicam que Nicolás Maduro, de 61 anos, em seu 11º ano no poder e concorrendo à terceira reeleição, tem chances reais de ser derrotado.
Seu principal adversário é o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, que lidera a corrida presidencial com mais de 50% das intenções de voto, enquanto Maduro conta com cerca de 20%. Além deles, outros oito candidatos estão na disputa. Não há segundo turno.
Eleições anteriores foram denunciadas como fraudulentas por organizações internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), além dos Estados Unidos e da União Europeia. Partidos de oposição foram proibidos de participar, sendo rotulados pelo governo de Maduro como marionetes “fascistas” alinhados a potências estrangeiras. Desta vez, Maduro permitiu a participação da coalizão de partidos opositores, a Plataforma Unitária, em um acordo que resultou em um breve alívio nas sanções econômicas dos EUA.
No entanto, essas sanções foram reimpostas em meio ao bloqueio da candidatura de María Corina Machado e outras medidas contra opositores. Ex-deputada, Machado, que se autointitula “liberal”, venceu com mais de 90% nas primárias da oposição venezuelana em outubro do ano passado, mas foi impedida de concorrer pelo governo de Maduro, em decisão posteriormente confirmada pela Suprema Corte da Venezuela.
Mais recentemente, Maduro cancelou o convite à missão da União Europeia para monitorar o processo eleitoral, enquanto a ONU confirmou o envio de observadores, que não têm previsão de fazer declarações públicas. Especialistas consultados pela BBC News Brasil analisam os pontos cruciais da eleição da Venezuela em 2024.
“As condições da eleição estão extremamente desequilibradas, com o governo usando todos os recursos estatais para favorecer Nicolás Maduro. Portanto, a eleição não é justa. No entanto, a oposição ainda tem chances. De fato, as pesquisas mostram Edmundo González, substituto de María Corina, com uma vantagem de pelo menos 20 pontos na intenção de voto”, diz Phil Gunson, analista sênior da consultoria Crisis Group sediado em Caracas.
Muitas questões ainda estão em aberto e serão respondidas nos próximos dias: Maduro conseguirá vencer sem manipular os resultados? E, se perder, aceitará a derrota? Nesse caso, como seria a transferência de poder? Qual seria o papel dos militares, que já declararam apoio e lealdade a Maduro, nesse contexto? E qual seria o futuro do chavismo, que governa a Venezuela há 25 anos?
Em meio a tantas perguntas, os especialistas acrescentam que, devido às circunstâncias atuais, se Maduro optar por fraudar as eleições, isso pode representar “um grande risco pessoal” para ele.
1. O Candidato da Oposição
Edmundo González Urrutia (à esquerda) foi escolhido candidato de consenso pela coalizão de oposição após a cassação da candidatura de María Corina Machado (à direita). EPA/BBC
Edmundo González Urrutia, um diplomata aposentado de 74 anos de perfil discreto, é o principal rival de Maduro e lidera nas pesquisas de intenção de voto. González, também escritor e acadêmico, foi escolhido como candidato de consenso pela coalizão de oposição Plataforma Unitária após o governo Maduro proibir María Corina Machado de ocupar cargos públicos por 15 anos, acusando-a de fraude, o que ela nega. A decisão, confirmada pela Suprema Corte controlada pelo governo, impediu Machado de concorrer à presidência.
Sua substituta, a historiadora Corina Yoris, também não pôde concorrer. A oposição alega que não conseguiu fazer o registro de sua candidatura no sistema online da autoridade eleitoral. “Eles (governo) não nos permitiram”, afirmou o chefe da coalizão, Omar Barboza.
María Corina Machado, que se define como “liberal”, emergiu como a figura de destaque da oposição em 2023, ao mobilizar milhões de venezuelanos nas primárias de outubro com seus ataques à corrupção e má administração. No entanto, a Suprema Corte da Venezuela declarou as primárias ilegais e iniciou investigações criminais contra alguns organizadores. Vários apoiadores de Machado foram alvo de mandados de prisão, e membros de sua equipe foram detidos.
Apesar disso, Machado continuou sua campanha, transformando-a num símbolo da perda de seus direitos. Sem as duas mulheres na disputa, a Plataforma Unitária se uniu em torno do nome de González, que conta com o apoio de Machado. Os dois se comprometem a revitalizar a economia para trazer de volta os milhões de venezuelanos que emigraram desde 2013. Atualmente, os venezuelanos representam o segundo maior grupo de imigrantes indocumentados que cruzaram a fronteira dos Estados Unidos, atrás apenas dos mexicanos.
“As eleições na Venezuela não são justas, nem limpas, nem equitativas”, disse González em entrevista recente à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “Estamos olhando para o futuro. Não estamos olhando para trás. Queremos uma missão que siga para frente e é por isso que estamos empenhados para que todo o processo eleitoral seja equitativo, justo e transparente.” “Vamos ganhar do chavismo com uma força majoritária que será expressa nas urnas e o respaldo de milhões de venezuelanos que estão comprometidos com a mudança da Venezuela”, acrescentou.
2. Por que Maduro está atrás nas pesquisas?
Com economia em colapso, acesso a programas sociais foi drasticamente reduzido, afetando popularidade de Maduro, de acordo com analistas. Reuters
Apesar de manter um considerável apoio de fervorosos seguidores, conhecidos como “chavistas”, que incluem milhões de funcionários públicos, e de cultivar uma imagem de “homem do povo”, a popularidade de Maduro caiu devido à crise econômica, corrupção e má administração, segundo especialistas. Sondagens realizadas por três institutos (Datincorp, Meganálisis, ORC Consultores) mostram González com mais de 50% das intenções de voto, enquanto Maduro tem menos de 20%.
Maduro disse, durante um comício recente, que haveria “banho de sangue, em uma guerra civil fratricida” se ele não vencer as eleições.
Com a economia em colapso, o acesso aos programas sociais que anteriormente mobilizavam eleitores foi drasticamente reduzido, apontam especialistas. “Os venezuelanos vivem na pobreza. Quase 8 milhões deixaram o país por falta de perspectivas e empregos dignos. Nesta campanha eleitoral, muitos esperam um resultado que permita o retorno de milhões ao país”, diz à BBC News Brasil Gunson, da Crisis Group. “Maduro, desde que assumiu o poder, prometeu prosperidade e recuperação econômica, mas nunca cumpriu suas promessas. Isso está gerando o grande impulso por mudança”, acrescenta ele.
Para o especialista, “não se trata de uma questão ideológica”. “Não é porque as pessoas rejeitam o socialismo ou são atraídas pelo conservadorismo de María Corina. O que elas desejam é ver um tipo de mudança que permita o retorno ao crescimento, a restauração da governança institucional e a recuperação da infraestrutura do país”, diz.
Maduro responsabiliza os Estados Unidos e a oposição pelas dificuldades econômicas da Venezuela, citando as sanções impostas pelos americanos. Gunson diz que as sanções “certamente tiveram um papel”, mas observa que a crise econômica começou “muito antes das sanções” e que a maior parte da responsabilidade recai sobre o governo.
Vice e herdeiro político de Hugo Chávez, Maduro, um ex-motorista de ônibus, foi eleito pela primeira vez presidente da Venezuela em abril de 2013 por uma margem estreita, após governar interinamente por alguns meses. Chávez havia sido eleito em outubro de 2012 para um quarto mandato, mas sua posse acabou adiada devido ao tratamento de seu câncer. Ele morreu em Caracas, aos 58 anos em março de 2013. Em 2018, Maduro foi reeleito em uma eleição contestada tanto internamente quanto internacionalmente. Sua vitória não foi reconhecida pelos Estados Unidos e vários outros países, que passaram a reconhecer Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, como líder legítimo do país. No entanto, Guaidó nunca conseguiu assumir o controle efetivo do governo, e Maduro permaneceu no poder. Em resposta, os Estados Unidos impuseram sanções econômicas contra a Venezuela.
3. Quem Vai Votar?
Na Venezuela, voto não é obrigatório e é realizado por meio de urnas eletrônicas. EPA/BBC
Mais de 21 milhões de venezuelanos estão registrados para votar, mas o êxodo de 7,7 milhões deve reduzir o eleitorado para cerca de 17 milhões. Além disso, apenas cerca de 69 mil venezuelanos no exterior podem votar devido a inúmeras exigências burocráticas impostas pelo governo. Nos Estados Unidos, os consulados, onde normalmente os eleitores votam, foram fechados desde o rompimento das relações diplomáticas entre Caracas e Washington. Na Venezuela, o voto não é obrigatório e é realizado por meio de urnas eletrônicas.
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